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sexta-feira, 18 de julho de 2014

Discutindo nossas carreiras: artigo da professora Lícia Cristina!


As políticas focais como estratégia de intensificação e precarização do trabalho nos Institutos Federais

 

Lícia Cristina Araújo da Hora

 

 

Ofertas formativas diferenciadas para os novos desvalidos da sorte do século XXI

 

A marca da visão produtivista da educação, dualista e fragmentária, atravessou o século XIX no Brasil e chega à segunda década do século XXI sob a roupagem da democratização do acesso a rede federal de educação profissional, técnica e tecnológica por meio de uma multiplicidade de ofertas educativas em diferentes formatos e níveis de qualidades educacionais. A atuação das políticas públicas, conjugadas dentro da compreensão de Mead (1995) significa uma ação focal de um governo que irá produzir um efeito específico. A partir desta concepção, sem aprofundar o debate mais amplo sobre o que significa políticas públicas, é possível realizar a analogia de que as atuais ações educacionais para formação profissional da classe trabalhadora possui em seu bojo um caráter assistencialista da educação profissional que nos remete do ponto de vista histórico ao atendimento dos meninos pobres e desvalidos da sorte do Brasil no início do século XIX, traduzindo para o cenário atual, podemos conjecturar que as atuais políticas de qualificação profissional reatualizam ações focais para os novos desvalidos da sorte do século XXI (RUMMERT, 2005).

 Segundo Rummert, Algebaile e Ventura (2012) a variação de ofertas educacionais em formas desiguais e combinadas produz uma miríade de ofertas de elevação de escolaridade/formação profissional/certificação que fortalecem as ações da pedagogia do capital-imperialismo por meio da “fantasia de que a efetiva democracia chegou à educação escolar”. Caracterizadas e divididas entre os mais diversos programas, sejam de qualificação/escolarização social, a diversidade de ofertas formativas produz vias subordinadas de acesso à escola conforme as classes sociais.

A marca fundamental da dualidade estrutural de novo tipo é a produção de uma multiplicidade de oportunidades formativas, porém de forma subordinada, garantindo o acesso pelos fundos a um tipo de ensino aos trabalhadores, e o acesso pela frente ao ensino socialmente referenciado a um público distinto de aluno.

Para as autoras a dualidade estrutural de novo tipo organiza-se em três grandes grupos que compõem uma variada forma de oferta educacional, da qual se destaca: o 1º grupo diz respeito a programas dirigidos à ampliação do ingresso, reinserção, permanência e conclusão da escolarização regular obrigatória; o 2º conjunto de programas refere-se a cursos e programas dirigidos à ampliação da escolaridade de jovens e adultos e; finalmente o 3º agrupamento é constituído por programas de financiamento educacional que vem influenciando significativamente na expansão de vagas e na multiplicidade de vias formativas no Ensino Médio, na educação profissional e no Ensino Superior. Esta análise encontra-se exposta no quadro a seguir em que se expressa a diversidade de ofertas formativas do Instituto Federal do Maranhão:

 

Quadro 1 - Diversidade de ofertas formativas para os trabalhadores no IFMA

 

PROGRAMAS
PARCERIAS[1]
PÚBLICO ALVO
Mulheres Mil
SETEC/MEC,IFs, Canadá
Mulheres de baixa renda, vulneráveis socialmente e de baixo nível de escolaridade; moradoras de comunidades integrantes dos Territórios da Cidadania e/ou com baixo índice de desenvolvimento humano.
PFRH
Petrobrás
Jovens e adultos para atuarem na Indústria de Petróleo, Gás, Energia e Biocombustível.
PFP
Vale
Jovens e adultos que procuram carreira técnica e desejam trabalhar nas áreas operacionais.
PROMIMP
Petrobrás
 
PRONATEC
MEC, Ifs
Jovens e adultos entre 16 e 59 anos cadastrados em situação de extrema pobreza ou beneficiários do Bolsa Família e do BPC[2].
 
PROCAMPO
SECADI/MEC
Educadores que atuam na educação básica do campo e que não possuem formação de nível superior em Licenciatura Plena.
 
Programa Saberes da Terra – Brasil Alfabetizado
SECADI/MEC
Educadores de educação básica; educadores de qualificação profissional
PROEJA
SETEC/MEC
Egressos do ensino fundamental.
PROEJA – FIC
SETEC/MEC
Egressos do Sistema Prisional de São Luís-MA
Projeto de Formação Continuada PROJOVEM Campo/Saberes da Terra
SECADI/MEC
Educadores de educação básica; educadores de qualificação coordenadores de turma que atuarão no Projovem Campo no estado do Maranhão.
E-TEC Brasil
SETEC/MEC
Egressos do ensino fundamental.
UAB
SESU/MEC
Egresso do ensino médio.
PARFOR
CAPES/SEDUC
Professores em exercício das escolas públicas estaduais e municipais sem formação adequada.

Fonte: Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) e Pró-Reitoria de extensão (PROEX) do IFMA. Quadro elaborado pela autora.

                 

O IFMA possui treze programas que atendem às mais diferentes classes sociais, a qualidade do ensino se diferencia conforme a forma de oferta. A realidade expressa de modo pontual no estado do Maranhão, expõe o modelo em curso de expansão para todos os Institutos Federais. Os programas focais buscam fundamentalmente atender a jovens e adultos trabalhadores que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Sob a promessa de progresso econômico, desenvolvimento local, melhoraria da qualidade de vida, obtenção de emprego, as ofertas educacionais produzem uma ideologização da educação que busca obter “o consentimento ativo dos governados” (GRAMSCI, 1995), com vistas a obter o controle social e ideológico e o abrandamento de conflitos sociais daqueles mais destituídos de direitos  humanos.

Os programas mapeados no IFMA, em sua maioria presente em todos os Institutos Federais, revelam a face evidente da barbárie. Vários programas direcionam-se para grupos de baixa renda, vulneráveis socialmente, em situação de pobreza extrema e beneficiários da bolsa-família. O PRONATEC é o mais novo programa desta miríade de ofertas, implicando entre inúmeras outras questões: no financiamento público da oferta privada de educação profissional por meio da parceria com o Sistema S e outras organizações privadas; intensificação, precarização, fragmentação do trabalho, e privatização dos profissionais da rede federal de ensino, com concessão de bolsas para adicional de seus salários, desviando o debate sobre a qualidade carreira docente para o debate da ‘compensação da luta individual no atual cenário de precarização da carreira docente’.

Esse conjunto de programas que instituem a dualidade estrutural de novo tipo, compõe, conforme destaca Netto (2010), uma face contemporânea da barbárie e se expressa exatamente no trato que, nas políticas sociais nos oito anos do governo Luís Inácio Lula da Silva conferiu à questão social. Netto (2010) destaca que para o pensamento conservador a questão social possui características inelimináveis e se torna uma ação moralizadora que no máximo pode ser objeto de uma intervenção política limitada. Fontes (2012) chamou estas intervenções políticas limitadas de políticas de alívio por gotejamento.

O avanço do capital internacional no Maranhão “favorece expansão das políticas de alívio por gotejamento” (FONTES, 2012), neste conjunto, integra-se a diversidade de ofertas formativas do IFMA na região dos Carajás, cujas pressões e conflitos sociais, buscam ser atenuados pela disseminação da política de conta-gotas.

O governo Luís Inácio Lula da Silva apresenta como marca do governo a multiplicação de programas que se entrelaçam, estabelecendo dependência entre si, garantindo com efetividade o controle dos trabalhadores nas mais variadas frentes de políticas focalizadas (saúde, habitação, renda, moradia e educação). As políticas focais alastraram-se no âmbito dos Institutos Federais, conjugando para seu interior o papel de: integração social, empregabilidade e assistencialismo. As políticas focais e os programas de qualificação profissional pela via das trajetórias subordinadas induzem o consenso ativo dos governados, exigência da governabilidade do capital financeiro.

Os trabalhadores dos Institutos Federais e da rede federal de modo articulado vivenciam a atual morfologia do trabalho em quadro cada vez mais complexo e híbrido, aprofundando o quadro precário: pouca estabilidade, futuro incerto, frágil, débil, substituição do modelo burocrático pelo modelo gerencial. As relações sociais que pautam as relações de trabalho são acometidas pela hipertrofia do individualismo, acirramento da competição e imperativo tecnológico.

O cenário vivido pelos trabalhadores dos Institutos Federais, pautado na ditadura do paradigma Educação, Ciência, Tecnologia, uma perspectiva de educação tecnológica que engendra um discurso fantasioso de para uma nova institucionalidade política que tem como paradigma do trabalho nos Institutos Federais a plena indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Para Silveira (2007a, p.49), a concepção de educação em torno da expressão educação tecnológica, a partir de relações históricas, “revela uma educação atrelada ao desenvolvimento econômico, em geral, e ao processo de modernização, em particular, do país, de maneira a atender às bruscas mudanças engendradas pelo modo de produção capitalista, deste modo a técnica, a ciência e a tecnologia não são tomadas como resultado do trabalho humano para o consumo coletivo ou como bem social, mas, sim, para a produção de lucro a serviço do capital”.

A nova institucionalidade política tem como um de seus principais alvos, os professores, contudo não se pode perder de vista como esta nova constitucionalidade alcança o trabalho desenvolvido pelos técnicos em educação. Contudo, é principalmente sobre os professores que recai a tarefa “milagrosa” de atingir o pacote de metas do MEC para a rede federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Assim citamos: meta de expansão de matrículas nos mais diferentes níveis e modalidades, meta de produção científica, meta de projetos de extensão, meta de captação de recursos, além da acirrada cultura competitiva que se instalou na rede entre docentes e técnicos em educação. No bojo do discurso competitivo está evidenciada a necessidade urgente de: construirmos boas experiências para divulgá-las em eventos nacionais, disputar editais para estruturar laboratórios, patentear pesquisas e avançar na produção em caráter de inovação tecnológica, apresentar as melhores notas do ENEM, ganhar prêmios em agências de fomento.

Uma das faces perversas da cultura competitiva inclui ainda a importância de ocuparmos o ranking dos melhores, ainda que as condições estruturais para organização do trabalho pedagógico concorram para nos colocarem no mesmo ranking de um amplo cenário de precarização e intensificação configurada na nova morfologia do trabalho na rede federal.

Outra face perversa da cultura competitiva refere-se ao processo de objetificação do trabalho dos profissionais  no âmbito da escola, com destaque ao trabalho docente. Para Mancebo (2010) [...] presenciamos a convocação irrestrita da subjetividade do trabalhador para o centro dos processos de trabalho, não raramente com aumento do sofrimento subjetivo, neutralização da mobilização coletiva e aprofundamento do individualismo. Nas escolas, é gerada uma "sociedade da urgência", que força o incremento das tarefas, a instalação de horários atípicos, a aceleração no desempenho das atividades e que afeta em cheio a produção docente, sua subjetividade e saúde.

A lógica de educação exposto no âmbito da expansão da educação profissional evidencia que o  mais importante do que formar o trabalhador é certificá-lo com a marca de excelência federal pautada na Educação, Ciência, Tecnologia e Cultura. Não importa no processo de expansão que a oferta atenda às demandas imediatas dos trabalhadores, isto é, que possibilite o acesso ao conhecimento científico e tecnológico à cultura elaborada historicamente pela humanidade, tampouco que as ofertas atendam aos Arranjos Produtivos Locais na lógica concebida no âmbito do trabalho associado das classes mais empobrecidas.

 




[1] Siglas da coluna parcerias: Centros de Capacitação Tecnológica do Maranhão (CETECMAs); Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI); Secretaria de Educação Superior (SESU); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Secretaria de Estado de Educação do Maranhão (SEDUC).
[2] BPC – Benefício de Prestação Continuada.